O que sabemos sobre a gordura saturada; até que ponto ela é vilã

O alto consumo de gordura saturada está associado ao aumento do colesterol e do risco de doenças cardíacas. Então por que algumas dietas incentivam seu consumo?

A recomendação para limitar o consumo de gordura saturada faz parte há décadas da política de saúde pública de diversos países.

Mas muitas pessoas ignoram o conselho, preferindo acreditar que a gordura saturada – presente em vários alimentos, como produtos derivados da carne, laticínios, bolos e biscoitos, assim como no óleo de coco e no azeite de dendê – não faz mal à saúde, mesmo se consumida em grande quantidade.

Você certamente está ingerindo mais gordura saturada do que a quantidade oficialmente recomendada se estiver fazendo uma das dietas low carb da moda, que restringem o consumo de carboidrato, como a dieta paleolítica e cetogênica.

Se você come mais do que 100g de carne gordurosa, doce ou queijo diariamente, também ultrapassará facilmente o limite recomendado – segundo a Organização Panamericana de Saúde, esse consumo não deve passar de 10% da sua ingestão total de calorias de cada dia.

A principal corrente da ciência da nutrição diz que a gordura saturada em excesso aumenta os níveis de colesterol no sangue, o que pode entupir as artérias e aumentar a chance de um ataque cardíaco ou derrame. Mas alguns cientistas argumentam que a gordura saturada não é o verdadeiro problema das doenças cardíacas, e sim a inflamação crônica do organismo.

Os defensores do consumo de alimentos com baixo teor de carboidratos e alto teor de gordura também sugerem – de forma controversa – que as diretrizes alimentares vigentes de “baixo teor de gordura e alto teor de carboidrato” estão erradas.

E afirmam que a obesidade e o diabetes seriam melhor combatidos com o consumo de gordura (incluindo gordura saturada), reduzindo carboidratos e evitando lanches entre as refeições – posição que tem sido contestada por especialistas da British Dietetic Association e outras instituições, que acreditam que as diretrizes vigentes não estão erradas, só não estão sendo seguidas.

Para a população em geral, as autoridades de saúde da maioria dos países recomendam limitar a gordura, particularmente a gordura saturada.

As diretrizes alimentares do Reino Unido, por exemplo, recomendam que até 35% das calorias que consumimos sejam provenientes de gordura, e cerca de 50% de carboidratos. (Vale observar que esta pode ser considerada, na verdade, uma dieta moderada em gorduras e carboidratos, e não uma dieta com baixo teor de gordura e alto consumo de carboidrato).

Mas, para a gordura saturada especificamente, os números são ainda mais baixos. O Reino Unido recomenda que ela não represente mais de 11% das calorias consumidas em bebidas e alimentos; enquanto os EUA e a Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselham menos de 10%.

Ou seja, cerca de 20g por dia para as mulheres (o equivalente a 2,5 colheres de sopa de manteiga ou quatro salsichas compradas no supermercado) e 30g por dia para os homens (um hambúrguer de 113 gramas com queijo e mais quatro colheres de sopa de creme de leite).

Já a American Heart Association vai além, sugerindo um percentual de 5% a 6%.

Como as notícias são muitas vezes contraditórias e os especialistas parecem discordar entre si, não é de se admirar que as pessoas não saibam em quem acreditar quando o assunto é gordura saturada.

Mas, afinal, qual é a realidade?

Lynne Garton, nutricionista e consultora alimentar da organização beneficente Heart UK, diz que a tendência recente de consumir mais gordura saturada em relação a outros tipos é bastante preocupante, uma vez que já estamos comendo demais.

Os adultos do Reino Unido, por exemplo, excedem as recomendações ao consumir 12,5% de calorias em gordura saturada, apesar de sua ingestão total de gordura estar aproximadamente dentro da meta. Os americanos, por sua vez, obtêm em média 11% de suas calorias diárias a partir de gordura saturada, e os australianos, 12%.

“Vários fatores contribuem para o aumento do colesterol no sangue, mas uma dieta rica em gordura saturada é definitivamente um deles, e isso foi confirmado em estudos desde a década de 1950”, diz Garton.

“Além disso, apesar de alguns afirmarem o contrário, a riqueza de evidências científicas indica que o colesterol total e o LDL (lipoproteína de baixa densidade) – chamado de ‘colesterol ruim’ – contribuem comprovadamente para doenças cardíacas.”

Garton acrescenta que algumas pessoas podem se beneficiar ao comer menos gordura saturada do que a recomendação vigente – especificamente aquelas que têm outros fatores de risco para doenças cardíacas.

Substituição da gordura

Dito isso, a gordura saturada não é tão vilã quanto se pensava. Isso porque ela é apenas um dos vários fatores alimentares que contribuem para o risco de doença cardíaca – e todos estão interligados.

Sem mencionar que, se você tirar um pouco de gordura saturada da sua dieta, provavelmente substituirá essas calorias por outra coisa.

“Alguns estudos questionam a ligação direta entre gordura saturada e doenças cardíacas, mas geralmente não consideram o que substitui a gordura saturada quando a mesma é reduzida na dieta–um ponto crucial”, diz Garton.

Várias organizações internacionais se baseiam em evidências científicas para recomendar a redução de gordura saturada e a substituição da mesma por gordura insaturada.

Um estudo mostrou que quando 5% das calorias provenientes de gorduras saturadas foram substituídas por uma quantidade equivalente de calorias de gorduras poli-insaturadas (presentes no salmão, óleo de girassol, nozes e sementes) ou gorduras monoinsaturadas (como óleos de oliva e de canola), o risco de morte por qualquer causa foi reduzido em 19% e 11%, respectivamente.

Ambos os tipos de substituição por gordura “boa” reduziram a incidência de ataques cardíacos. O mesmo aconteceu com a substituição de gorduras saturadas por carboidratos de grãos integrais, como arroz integral e pão integral.

No entanto, quando o açúcar e carboidratos refinados (como farinha branca) substituem a gordura saturada, o risco de um ataque cardíaco aumenta.

“A maioria das diretrizes nacionais de nutrição, incluindo do Reino Unido, Austrália e EUA, já reconhece que substituir parte da gordura saturada em nossa dieta por gordura insaturada é saudável para o coração”, diz Peter Clifton, coautor do estudo e professor adjunto de nutrição da Universidade do Sul da Austrália.

“Provavelmente também não há problema em substituir alguns alimentos ricos em gordura saturada por grãos integrais, mas definitivamente não é bom trocá-los por açúcar ou carboidratos refinados. Na verdade, isso pode ser pior do que não reduzir a gordura saturada.”

“Infelizmente, quando a indústria de alimentos começou a criar versões com menos gordura dos alimentos, como refeições prontas, sobremesas e iogurtes, o percentual de açúcar muitas vezes aumentou como resultado, o que provavelmente não reduziria o risco de doenças cardíacas”, explica.

Há ainda o fato de que alguns tipos de ácidos graxos saturados, que compõem a gordura saturada, são menos prejudiciais que outros. Por exemplo, o ácido esteárico, que representa aproximadamente metade das gorduras saturadas do chocolate amargo, não aumenta o colesterol no sangue.

Mas o outro ácido graxo saturado, o ácido palmítico, faz aumentar – portanto, é melhor não comer uma barra inteira.

Outra pesquisa indica que a “matriz alimentar” é importante.

No caso do queijo e iogurte, por exemplo, o cálcio (mineral capaz de manter a pressão arterial normal) pode ser o motivo pelo qual esses alimentos têm menos impacto no aumento do colesterol LDL do que, por exemplo, o bacon.

Também poderia ajudar a explicar o fato de que o consumo de laticínios (incluindo laticínios com gordura) não parece estar associado a doenças coronarianas.

No entanto, é importante analisar estudos como este com um certo grau de ceticismo, uma vez que muitas pesquisas na área de nutrição mostram correlação, e não causalidade.

Em outras palavras, as pessoas que consomem mais laticínios podem simplesmente ter um estilo de vida mais saudável de uma maneira geral. Também é importante observar que estudos sobre laticínios tendem a focar em leite e iogurte, mas não tanto em manteiga ou creme de leite.

É claro que um pouco de sorte e bons genes também podem ajudar.

“Todo mundo conhece alguém que tem uma avó que viveu até 103 anos comendo muita manteiga e gordura”, diz Garton.

“Mas, em nível populacional, todas as evidências sugerem que a dieta mais saudável é aquela com muitas frutas, legumes, verduras, grãos integrais e fontes de gordura insaturada, como nozes e peixes oleosos.”

“Em vez de focar em nutrientes individuais, devemos olhar para a alimentação como um todo e incluir vários desses alimentos saudáveis para o coração”, acrescenta.

Em resumo, é mais aconselhável seguir uma dieta saudável no estilo mediterrâneo – e evitar hambúrgueres e bacon.

FONTE: g1.globo.com